Sutilmente...

Acomode-se e sinta a vida.

22:56

Éramos estrelas.

Postado por Dan Novachi |


"Eu disse a ele que não bebesse demais hoje: ‘Você precisa ver as estrelas comigo, esta noite!’. Ele disse que me acompanharia, e se esforçava para parecer animado e compreender que era importante pra mim. Eu queria ver estrelas, com alguém, só para comentar o formato das nuvens e dizer o pouco que sei sobre o céu. Só ele quis me acompanhar."

Só ele quis me acompanhar: e por isso mesmo ele era especial. E dentro de todos os seus inúmeros defeitos; dentro do fato insuportável de que ele bebia demais, era ele quem eu havia escolhido para ver as estrelas comigo a vida toda. Era a minha escolha interna, e se não fosse com ele, que o céu se apagasse.

A grande verdade era que eu pouco sabia sobre o céu, mas estava disposta a descobrir, como os amantes costumeiramente fazem: descobrem o inimaginável juntos. Pois esta descoberta, se solitária, poderia enlouquecer, ou mesmo estaria invisível. Existem coisas que só podemos perceber a quatro olhos. E os dele eram o meu segundo par. ---- Não havia nada fisicamente especial.

Tinha olhos castanhos, uma barriga saliente, era um beberrão e meio grosseiro, mas falava a minha língua. E só pelo simples fato de alguém poder me compreender tornava o romance principesco. Eu mesma não era uma grande princesa, minhas contas estavam sempre atrasadas e o meu palácio era uma kitnet alugada, mas cada um tem o príncipe que merece. E olhe, eu me sentia merecedora.

O meu foco era o céu, e eu sabia duas constelações que minha mãe havia ensinado. Sabia ver o cruzeiro do sul e as três-marias. Não eram conhecimentos inauditos, mas talvez ele não soubesse, e poder ensiná-lo me daria prazer. Se ele me aprendesse, estaria feliz. Era uma bela noite, nem fomos jantar.

Era um campo naquela periferia da cidade, resultado do remanescente das fazendas desmatadas; nós poderíamos deitar na grama e ouvirmo-nos a perder de vista. Talvez eu devesse ouvi-lo um pouco mais, ele nunca falava derradeiramente. Talvez ele mesmo tivesse muito a me ensinar. Eu, proletária-princesa, não possibilitava que nem um súdito falasse muito. Mas ele era meu príncipe, então poderia pronunciar-se. E pela primeira vez eu pude ouvir o quanto o grosseirão era doce, o quanto sua aparência comum tornava-se única sob a luz noturna. Os lobos tornavam-se loucos durante a noite. E nós não éramos mais ninguém, senão um do outro. Éramos pertencentes ao espaço sideral. Éramos estrelas.

1 comentários:

Ana Fontenelle disse...

Nossa, a delicadeza e ao mesmo tempo a anti poesia que existe na realidade, mto lindo dan, mto lindo

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